quarta-feira, 29 de junho de 2011

Outra vez



Eu sempre tive um jeito peculiar de olhar o mundo. Enquanto as minhas amigas brincavam de boneca eu passava minhas tardes lendo embaixo da mesa, enquanto elas brincavam de pular corda eu ficava no banco observando as pessoas, enquanto elas passavam batom eu queria andar sozinha descobrindo mistérios das casas abandonadas do bairro.
E assim eu fui crescendo, imaginando como seriam as outras pessoas. Como seriam as pessoas que moravam nos lugares com neve, as pessoas que tinham os olhos puxadinhos, as pessoas que não tinham o que comer. Eu cresci com uma sede diferente da sede das meninas da minha idade. Eu cresci com sede de conhecimento. Imaginava se realmente só existia vida nesse planeta e como seria mágico conhecer galáxias distantes.
 No quarto da minha avó eu montava minha casinha com duas cadeiras e um lençol, e não era preciso muita coisa para ser feliz. Aquele era o meu lugar, e eu sabia que estaria segura ali.
Nunca tive muitos amigos, as pessoas gostam de quem tem histórias para contar, e da minha boca não saia nenhum enredo que as prendesse  à mim. Nunca fui a menina popular, a mais bonita do colégio, a mais disputada entre as amigas ou a maior nota da classe. Nas aulas de educação física era sempre a última a ser escolhida e os convites de aniversário eram sempre os últimos para mim. Nunca gostei de contar piadas ou de rir dessas sobre as que falam de loiras, fandangos ou pintinhos atropelados.
 Eu gostava mesmo era de comer potes enormes de gelatina até passar mal. Ficava a tarde inteira na casa da minha avó vendo TV e comendo aqueles potes de gelatina, cada uma de cor diferente. Essa era uma casa bem bonitinha, era rosa e branca, numa vila cheia de casas igualmente assim. E então aquela minha casa de duas cadeiras e um lençol havia sido promovida a uma grande,rosa,cheia de plantinhas e com cheiro de paz. Eu amava aquele lugar. A casa rosa da minha avó sempre tinha cheirinho de flor, e na geladeira sempre uma gelatina de cor diferente.
No verão eu já acordava com meu sunquini de florzinha. Sempre era a primeira a acordar, a apagar as luzes do quintal, pegar o jornal no portão e fazer o café ( que segundo o meu pai era o melhor que ele já havia tomado na vida . Depois disso eu me jogava na piscina, e aquela água gelada cortava todo o meu corpo e lavava a minha alma, que apesar de nova já era tão cheia de marcas. O verão era uma época boa, onde eu podia ficar de molho a manhã inteira e a tarde ir para a casa da minha avó comer gelatina. Mas como as estações passam na vida também, tudo foi mudando. E lá ia eu embora outra vez.
 Ir embora me fazia não querer olhar para trás, me fazia entender que olhar para trás significava sofrimento. E buscar sofrimento não era o meu forte. Por isso hoje eu acho engraçado quando vou de encontro à ele, mesmo sabendo que só irá me trazer lágrimas quentes antes de dormir.
Tenho a ligeira impressão de que as crianças são mais espertas que os adultos. Crianças esquecem, perdoam, amam, brincam e como por uma dádiva de Deus fazem tudo com tamanha intensidade como se já soubessem que os mortais não tem muito tempo para perder.
Se eu pudesse fazer um pedido pro gênio da lâmpada hoje, pediria a minha infância de volta. Só para sentir outra vez a minha casinha de lençol, o gosto da gelatina, o vento geladinho das manhãs silenciosas, o mistério que as pessoas representavam para mim quando eu ainda nem conhecia à mim mesma.
Eu só queria sentir outra vez.

sábado, 18 de junho de 2011

#1

A última coisa que me lembro sobre a noite passada é de uma luz azul que vagarosamente caía do céu, como em flocos brilhantes e hipnóticos. Desde então foi ficando tudo cinza, tudo escuro e apaguei.

Não sei ao certo como acordei aqui, no meio desse campo enorme repleto de flores e árvores viçosas. Mas é um lugar bem bonito. Agora, especialmente, é quando ele fica mais bonito, no entardecer. Quando o sol vai caindo lentamente, aquecendo de um jeito sutil o mato verdinho que vai ficando dourado devagarzinho.

Tem um caminho que eu faço pra subir na montanha, é de lá que eu vejo o sol sumir e a lua chegar. Eu sempre levo um lençol e uma jarra de suco de laranja, que sempre colhidas pela manhã me deixam cheia de vontade pela aurora misteriosa da vida. Abro o lençol no chão, que por ser tão meu também me faz companhia nas horas de solidão, coloco no copo um pouco de suco e fico esperando a lua chegar mansinha e grandiosa. Ela cobre o campo todo com o seu véu branco e puro, e as estrelas compõem um grande coral que embalam meu sono todas as noites.

 Acordo sempre com o barulhinho que fazem os animais ,meus amigos fiéis. Levanto e me dirijo à minha simples casinha ,que nunca recebeu uma visita sequer. Nem um parente distante, meus pais, meu avós ou qualquer outro amor que se alugue por aí. Eu paro de pensar nessas bobagens e vou preparar o café,  colher minhas laranjas e vestir uma roupa bem bonita para a espera do sol.